12/09/2019 - Sinfonia é uma palavra de origem grega que, segundo o dicionário Aurélio, significa “todos os sons juntos” ↓
Quando cheguei ao Tamar, em 2010, a convite do oceanógrafo e fundador do projeto, Guy Marcovaldi, para dirigir musicalmente uma banda formada por funcionários do projeto e moradores de Praia do Forte, a “Casco Cabeça”, lembro também da inquietação de Guy, dos planos e idéias para, através da música, sensibilizar a todos e todas para a causa do Tamar e do meio ambiente. Fiquei mais inquieto que de costume! Uma enxurrada de sugestões e ideias caíram sobre mim e precisaria de quarenta milhões de bocas para externar tudo.
Então, lancei a primeira sugestão para ele: “que tal uma sinfonia em cinco movimentos, uma para cada espécie de tartaruga que desova em águas brasileiras?” Ele me olhou com um sorriso terno e disse: “vejo que temos um entusiasta aqui. Mas o ótimo é inimigo do bom. Vamos aos poucos!”.
A partir daquele momento, daquele sorriso e daquela fala, soube que estava no lugar certo, lugar onde sonhos são reais, lugar onde o ativismo tem outra conotação, uma conotação não panfletária ou política e sim idealista e pacífica, o que mais tarde apelidei de “filosofia das tartarugas marinhas”, como um modo “extra-humano” de viver. Os anos passaram e fizemos muitas coisas juntos, incluindo parcerias musicais nas quais Guy mostrou uma desenvoltura promissora com as palavras em cima de uma melodia.
Neste tempo fiz, com o Tamar e paralelo ao Tamar, muitas peças e arranjos importantes para orquestras e gravações de álbuns. Muita coisa aconteceu e com a inquietação que não abandona meu ser, em 2017, a questão da sinfonia voltou a circular em minha corrente sanguínea. Escrevi o primeiro movimento e mostrei o áudio/esboço, além da partitura para Guy e toda família Tamar, via e-mail. Todos se emocionaram e o “desafio” foi finalmente aceito.
Guy sugeriu que o primeiro movimento levasse o nome da tartaruga de pente, por ainda estar sob sério risco de extinção. Então, comecei a estudar e a escrever compulsivamente o comportamento de todas as espécies de tartarugas marinhas que desovam aqui no Brasil e tentei reproduzir não só o comportamento, mas também toda a atmosfera, por assim dizer, que envolve esses animais. Desde a eclosão, passando pelos predadores (naturais e os sapiens), o acasalamento, as intempéries que elas enfrentam até chegarem à vida adulta (quando chegam).
A Sinfonia Quelônica é a tradução do ciclo de vida das espécies de tartarugas marinhas que desovam em nossa costa desde o nascimento até a morte. Os cinco movimentos não são subjetivos, ao mesmo tempo em que são adornados por uma mistura do que é real ao fantástico.
É importante ressaltar que não segui a forma convencional de uma sinfonia do período barroco ou clássico. Fiz uma espécie de desconstrução que edifica, que constrói. A sinfonia toda é calcada na música e ritmos brasileiros, sem perder o cunho sinfônico. Cada movimento representa um estado em que as tartarugas desovam. O segundo movimento, por exemplo, intitulado de “Caretta caretta- predadores”, é dedicado às cabeçudas que desovam na Bahia. Nele vamos poder ouvir ritmos e respirar fragrâncias muito sutis da música feita na Bahia e suas derivações, sem perder o foco no principal tema: os predadores. O público poderá ouvir atabaques com batidas de ketu que, como em um passe de mágica, vai a um ar carnavalesco. Não há registro de sinfonia brasileira neste formato que proponho.
A sinfonia não obedece às convenções e foi composta para obedecer e colher emoções. Emoção pela vida, pela criança que temos em nós, pelos oceanos. Poderia até escrever aqui que há um ineditismo na forma como a sinfonia foi composta, pois ao mesmo tempo em que pode arrancar lágrimas de emoção, pode assustar em algumas partes dos movimentos.
São cinco movimentos e em cada um há uma história de vida e obstinação caraterística das tartarugas marinhas e, acho, que de toda espécie que pretende se perpetuar em um planeta com tantos problemas como o nosso, mas que não deixa de ser belo. Por ter cinco movimentos, a Sinfonia Quelônica cabe na mão de uma criança! Basta usar cada dedo de uma mão e usar cada dedo para contar uma história de vida.
Os movimentos são:
I- Eretmochelys imbricata – da eclosão ao azul;
II- Caretta caretta – predadores;
III- Lepidpchelys olivácea – novas baianas;
IV- Dermochelys coriácea – profundeza viva;
V- Chelonia Midas – de volta ao começo;
É um egoísmo humano achar que o homem criou a música. Ela sempre esteve presente no planeta azul, antes de todas as espécies aparecerem, sobretudo, o ser humano. A música está presente em tudo o que é ser e tudo o que é estar. A música é um verbo conjugado pela natureza há milhares de anos, seja advinda dos rios que nascem das geleiras de montanhas, das criaturas que vivem nas florestas tropicais ou não tropicais, dentre outros lugares inalcançáveis ou inimagináveis à espécie humana. Existem sons tão silenciosos que o ouvido humano não é capaz de detectar.
Confiar. Este verbo também é muito conjugado no Projeto Tamar. Agradeço a Guy Marcovaldi por acreditar em meu amor e dedicação e pelo sorriso terno que ele ainda lança quando se fala de música. À Neca, a mulher maravilha de verdade, por me deixar entrar neste mundo maravilhoso que é a vida e por me ensinar muito sobre o que é coerente e incoerente com nosso amado planeta azul. Você é demais!
Obrigado a César, Joca, Catu (In memoriam) pelo presente que vocês trouxeram ao planeta! Obrigado a todos e todas do Centro de Visitantes Praia do Forte! Agradeço à Orquestra Sinfônica de Sergipe (ORSSE) e ao maestro e amigo Guilherme Mannis. Obrigado Ana Paula Marques por acreditar que música é natureza. Obrigado, Christian Groth (In memoriam)! Você foi (e é) um dos maiores incentivadores deste sonho. Você é uma estrela colossal na vastidão do universo da arte.
Como escrevi acima, o Projeto Tamar é o lugar onde os sonhos são reais, com muita labuta, mas são e sempre serão. Agradeço a Pedro Augusto, Alfredo Moura, Carlinhos Brown e tantos outros que me fizeram um autodidata que caminha em direção ao rompimento de barreiras.
Agradeço à minha esposa, Tais Nader, minha gêmea alma-fêmea, e aos meus filhos que reforçam em mim a fé na vida. Que venham mais quarenta milhões de filhotes, e mais quatrocentos anos de planeta Tamar!
Luciano Calazans
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